Sobrevivi aos 27!

Atenção! Narrativa de proporções homéricas, de relevância questionável pra todas as pessoas que não são eu mesma. Hahahahah 😉

Até pouco tempo atrás, eu tinha algo em comum com Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Kurt Cobain e Amy Winehouse. Não mais. Eles continuarão pra toda a eternidade nos 27 anos, mas eu dia 28 de setembro completei 28 anos de vida e sigo firme! #amem Hahahah

Amo fazer aniversário porque é sempre uma época de reflexão, de rever o que conquistei até agora, como evoluí, o que dá pra melhorar e o que pretendo daqui pra frente. De ajustar prioridades e calibrar a minha bússola pessoal. É como um ano-novo – e de fato é um ano novo na minha vida. Já vinha fosforilando bastante desde o dia 26 de agosto, quando completei 6 meses de Londres, então nada mais natural do que escrever sobre o que aprendi nesse último ano. Muitas coisas podem parecer óbvias e ululantes, mas é fascinante como existe conhecer um conceito e existe internalizar um conceito. São coisas completamente diferentes. O que eu vou escrever são conceitos que eu finalmente entendi, finalmente passaram a fazer parte do meu modus operandi, finalmente deixaram de ser só mais uma frase motivacional pra se tornarem filosofia de vida.

1. O tempo vai passar de qualquer maneira

Nos últimos 12 meses, a primeira coisa que eu descobri foi o valor da paciência. No dia 03 de outubro de 2014, 5 dias depois de completar 27 anos, eu passei a fazer parte do registro do General Medical Council. Não diria que foi difícil, mas foi arrastado e uma coisa que eu queria muito, que era crucial pra tornar o meu sonho possível, então saí de lá na maior vibe Chris Gardner. 8 meses antes, eu me dei conta de que tinha um sonho, mas não um plano. Que sonhava em morar em Londres e tinha combinado comigo mesma que viria pra cá depois de terminar a residência, mas que não tinha nada de concreto e não sabia por onde começar. Então eu decidi duas coisas: que faria um estágio aqui pra conhecer a cultura profissional inglesa e que o primeiro passo pra uma vida em Londres como médica seria obter a permissão pra praticar Medicina aqui. Pois bem. Foram meses e meses lendo guidelines, juntando e organizando a tradução juramentada de todos os 293 documentos necessários #exagero. Um por um, fui riscando da listinha. Quando respirava aliviada achando que tinha terminado, recebia uma nova resposta do GMC pedindo documentos diferentes. Respirava fundo mais uma vez e ia atrás dos que faltavam, sem mimimi. Burocracia é um negócio que vai erodindo a paciência da gente, mas o único jeito de superar é o lema inglês Keep calm and carry on.

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E por isso que é tão importante fazer as coisas com tempo de sobra. Porque escada se sobe um degrau de cada vez. Ninguém realiza sonhos da noite pro dia. Então minha primeira lição aos 27 anos foi essa: sim, leva tempo. Pra cada x passos adiante, inevitavelmente vai acontecer um passo pra trás – e não há razão para pânico, faz parte do processo. Passou uma semana chateada porque achou que tava na reta final da corrida e tem mais 5km? Ok. Curte a fossa um pouquinho, caminha um pouco pra pegar fôlego e depois volta a correr. Sim, leva tempo. Mas o tempo vai passar de qualquer maneira! Então a demora nunca vai ser um motivo legítimo pra deixar de perseguir um sonho 🙂

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2. É preciso uma coragem imensa pra assumir -pra si mesmo e para os outros- que algo é a única coisa que você quer. O resultado é uma faca de dois gumes: vulnerabilidade sem precedentes, garra sem precedentes.

Engraçado que a segunda lição dos 27 anos foi no mesmo dia, horas depois. Tava um dia lindo de sol, segui do GMC pra Covent Garden pra dar uma volta e beber uma cidra e, de lá, fui pro Royal College of Anaesthetists. Eu achava que a minha melhor chance seria a Medical Training Initiative, uma iniciativa do RCoA que ajuda médicos estrangeiros a conseguirem vagas de fellow e obter o registro no GMC. Entrei lá e perguntei. A moça disse, sem cerimônia nem anestesia (pescou? haha): “Olha, você tem cidadania européia e já tem registro no GMC. Além disso, como você vai passar as próximas 6 semanas aqui, isso automaticamente te torna inelegível para o MTI, porque o candidato tem que morar overseas por 1 ano contínuo antes de aplicar. Não podemos te ajudar. Sinto muito, mas a sua melhor aposta é conseguir emprego diretamente com um hospital. Você pode procurar no BMJ jobs ou em outros sites de emprego para médicos“. Sorri, agradeci e virei as costas. O RCoA fica na frente de uma pracinha bem inglesa, pequena e despretensiosa, e no começo de outubro já cheia de folhas pelo chão. Sentei num banquinho desses e chorei. Porque já tinha lido o suficiente pra saber que é difícil ganhar a confiança deles, vindo de um país cujo padrão de treinamento eles desconhecem. Uma entrevista de emprego é um tempo muito curto pra convencer alguém de que você sabe o que está fazendo, quando são vidas em jogo. E nessa hora eu me dei conta de que a minha única opção era impressionar os supervisores do estágio o suficiente pra tentar engatilhar um fellow ao final da residência, porque todas as minhas economias (e mais uma ajuda dos meus pais) tinham sido usadas pra vir pra cá fazer o estágio, então eu não tinha condições de vir pra cá sem emprego garantido. E apesar de botar uma pressão enorme, isso me ajudou a ser menos tímida e mostrar mais a minha personalidade e conhecimento durante o estágio, porque afinal de contas, eu não tinha nada a perder e o potencial para ganhar era enorme!

Voltar pro Brasil, trabalhar como anestesista formada por um ano pra juntar dinheiro e vir pra cá sem emprego era uma opção, mas não era uma opção, entende? Por isso meu choro no banquinho naquele 03 de outubro #dramalhão. Eu tinha construído até ali toda uma mentalidade de “a única coisa que eu quero da vida é me mudar pra Londres em março do ano que vem. Não quero mais adiar em nem um segundo o sonho que eu tenho desde que pisei em Londres pela primeira vez em 2008″. Eu sei muito bem o quão fácil é deixar a vida levar, quantos sonhos já foram engavetados ou porque foram perseguidos de maneira half-hearted, ou porque a vida foi acontecendo diante dos olhos da pessoa e quando ela viu, já tinha criado raízes e assumido compromissos de longo prazo. No R3, pelo menos duas vezes por semana te perguntam “e aí, vai pra onde depois da formatura?”, que rapidamente passa a ser 5, 10, 20 vezes por semana à medida que o ano passa. Eu hesitei um pouco nos primeiros meses, mas depois de uma conversa franca com um dos meus chefes, passei a falar a verdade: “quero morar em Londres”. Ouvi de vários outros chefes que isso não era uma decisão sábia, porque propostas de emprego poderiam surgir se eu tivesse ficado quieta, se tivesse sempre respondido que queria ficar em Floripa. Mas quando a gente quer uma coisa num nível tão visceral quanto eu queria vir pra Londres, a gente não suporta ouvir a própria voz dizendo qualquer coisa que não fosse “quero -e vou- realizar meu sonho”. Simples assim. E isso tem tudo a ver com o próximo aprendizado.

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3. Incerteza faz parte da vida

A única maneira de garantir o desfecho de alguma coisa na vida é desistir/sabotá-la. Nem mesmo se você escolher batalhar por essa coisa todos os dias da sua vida, você terá garantia de sucesso. Se você pretender esse nível de controle, o amanhã vai sempre te assombrar. Não existe quem case com 100% de certeza de que jamais se divorciará, assim como não existe quem se mude pro exterior com 100% de certeza de que vai ou que não vai voltar, nem quem mude de profissão com 100% de certeza de que vai ter mais satisfação profissional.

Já conheci tanto expatriado por aqui que tem toda uma vida pessoal e profissional estruturada, bem-sucedida, e ainda assim quando perguntam “e aí, vai ficar pra sempre?” a pessoa responde que não sabe. Morar no exterior me ensinou que tudo bem não saber. Algumas das pessoas que eu mais admiro não sabem! Como eu já disse, se saber o próximo passo fosse uma grande prioridade na minha vida, eu teria ficado em Floripa, onde ninguém ia me perguntar a cada 5 dias se eu ia “ficar pra sempre”. Observe que a única diferença seria o quanto eu seria forçada a perceber que estaria optando por estar em Floripa todos os dias! Assim como eu conheço expatriados como citei ali em cima, conheço também ingleses que “oh but of course I’m going to stay in London forever”. Não porque estão escolhendo Londres, não necessariamente porque amam Londres, mas porque o fluxo natural da vida pra quem nasceu, cresceu, se formou, casou e trabalha em Londres é permanecer. É a primeira lei de Newton.

À primeira vista parece paradoxal, mas aceitar a incerteza da vida vem reduzindo drasticamente o meu nível de ansiedade. Porque ela coloca em evidência as minhas opções! É impossível ignorar que eu sou agente da minha própria vida! Eu escolho diariamente a vida que quero construir, o que automaticamente me tranquiliza porque reforça o meu poder de mudar de rumo, ajustar a trajetória caso seja necessário. Uma pessoa que entende isso não promete permanecer casada até a morte aconteça o que acontecer, e sim que QUER ficar junto do seu cônjuge pra sempre e por isso mesmo vai tomar todos os dias, todas as providências que puder para que o desamor não tome conta do relacionamento e torne o divórcio necessário. Entende a diferença? A primeira pessoa está dizendo “olha, espero que dê certo, porque não vou me divorciar” e a segunda diz “eu vou fazer tudo para dar certo, porque não quero me divorciar!”. Faz sentido?

4. Sair da zona de conforto DOI, mas é um dos instrumentos mais poderosos pra tornar alguém resiliente

Escrevi com detalhes sobre o turbilhão de emoções que senti no meu primeiro dia de trabalho. Aprendi muita coisa com aquele episódio. Quando a gente se aventura a fazer uma coisa nova, a gente se sente desconfortável. Ninguém gosta de levar 5x o tempo normal para fazer uma tarefa corriqueira porque não sabe onde as coisas ficam, ninguém gosta de não saber o nome dos colegas de trabalho, ninguém gosta de ter que começar do zero e provar que é competente pra um bando de gente desconhecida. Só que cada vez que a gente passa por isso, a gente percebe que a ansiedade e o desconforto fazem parte do crescimento, que o nível de performance da gente cai um pouquinho no início porque a ansiedade é muito grande e a gente não tá familiarizado com o ambiente de trabalho, que isso é absolutamente normal e esperado. E que logo logo vai melhorando até atingir o que um sujeito chamado White chamou de “zona de performance ótima”, quando você se sente desafiado o suficiente para se engajar profundamente com o trabalho, mas não tão overwhelmed pela ansiedade que te paralise.

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Quando comecei no hospital novo, em maio, tive mais um mini freakout. Pensei “gente, mas esse hospital é muito grande, é muito movimento, muito paciente grave, acho que eu sou uma farsa, não vou durar uma semana aqui!”. E se da primeira vez eu levei dias pra me acalmar e me convencer de que sou capaz de encarar o desafio, dessa vez eu levei horas. Nos dias seguintes, eu continuava consciente da minha ansiedade, mas já conseguia enxergar com clareza que em poucas semanas estaria bem adaptada no novo trabalho, assim como foi no anterior, e que portanto tinha somente que fazer a minha parte e dar tempo ao tempo.

Tive a honra de conviver de perto com o melhor médico que eu conheço, que é também o melhor anestesiologista que eu conheço. Ele passou a carreira inteira “pulando de galho em galho” do ponto de vista profissional. Mergulhava numa área nova e ali ficava até fazê-la muito bem. A partir do momento que não o desafiava mais, ele seguia adiante pra recomeçar o processo. Pra se manter interessado, apaixonado, engajado. Passou a vida colecionando expertise em várias áreas da Medicina. Não sei se é isso que eu quero da minha profissão, mas certamente é o que eu quero da vida. Cada uma dessas expansões de si pode ser num âmbito diferente da vida!

Por isso a palavra resiliência, que significa a capacidade de retornar ao seu estado original em face de uma adversidade: você sabe que a situação nova vai te mudar. Por um tempo, você sente que não é você mesmo. Mas dentro de pouco tempo, você se sente você mesmo de novo. Só que melhor. Vejo como se fosse um pequeno império pessoal, sabe? Você tem as tuas fronteiras. A cada batalha, você vai expandindo as fronteiras pra um lado, pro outro. Aí vem uns anos de calmaria, desfrutando e fazendo do novo território a tua casa. E quando você se sentir você mesmo de novo, quando aquilo for parte do teu dia a dia a ponto de você nem lembrar como a vida era antes dele, você resolve expandir pra outro lado. E assim vai se formando um império de crescimento pessoal!

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5. Fall seven times, get up eight

Uma das minhas amigas tá há um tempão na maior função de validar o diploma de médica pra poder fazer uns meses de pesquisa na África do Sul. Pesquisa observacional! Não vai tratar paciente nenhum, só fazer exames de imagem! Mas tipo, do nível “alôoo África do Sul, vocês não são os EUA, amigões, ninguém mais no mundo tem licença pra ser tão fresco!”… Mas enfim, antes que eu me distraia com esse assunto, a moral da história é que essa novela vem se desenrolando desde o começo do ano e ela já ouviu de zilhõooooes de pessoas que devia desistir, que ela tava gastando muito dinheiro e energia com aquilo, que provavelmente a tal da pesquisa nem ia valer a pena todo esse sacrifício. Além disso, ela precisava de uma bolsa de pesquisa, pra qual ela já tava aplicando há tempos e mesma história, ouviu de outra colega “ah nem perca o teu tempo aplicando, eles negam sempre”. E entre eu ir pro Brasil de férias e voltar, todo esse imbróglio se desenrolou e voilà: habemus registro médico, habemus bolsa de pesquisa, e inclusive habemus passagem pra África do Sul!!! Por essas e muitas outras razões, ela me ensina todos os dias o valor da persistência.

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E isso vale pra tudo, não só pra grandes conquistas ou frustrações. Vale pro dia a dia, que nada mais é do que uma sucessão de pequenas vitórias e pequenas derrotas. Como eu já tinha aprendido ali no item 3, a única constante na vida é a mudança. Tô tentando entender a impermanência das coisas, pra ficar menos inebriada com o sucesso e menos deprimida com a derrota.

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Tem épocas em que tô super de saco cheio do trabalho, de como preciso trabalhar igual uma condenada pra ficar na média enquanto de repente se tivesse feito outras escolhas eu poderia ter mais paz no coração, enfim… fico uns dias num mimimi do cão, mas nessas horas tento lembrar que tudo passa e que não demora muito aparece algo que reacende minha paixão pelo que faço. Da mesma maneira, no auge da minha paixão por Londres, vivo me lembrando de que isso também vai passar, que mudar de cidade ou de país não elimina os conflitos da gente – vide exemplo acima.

Bom, literalmente auto-ajuda esse post. Que é mais uma lição por si só. Se eu não me ajudar a viver com cada vez mais leveza e sabedoria, quem é que vai?! Fiz uma listinha de 10 coisas, mas vou dividir em duas partes porque senão até eu terminar, já terei mais 10 coisas na lista! 🙂

5 respostas em “Sobrevivi aos 27!

  1. Gabi,
    Não te conheço mas resolvi comentar aqui como forma de “agradecer” a simplicidade com que você compartilha sua vida conosco! Tenho 21 anos, vou me formar ano que vem e estou em um momento de mistura de sonhos, ansiedades e muita vontade de viver. Ver você realizando seus sonhos é uma inspiração para seguir em frente. Parabéns!

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    • Oi Daniela! Eu é que agradeço, fiquei super feliz com o teu comentário! Sim, ansiedade é normal, dúvidas são normais, medo é normal e o negócio é seguir em frente com medo mesmo, assim como Mandela disse 😉 te desejo toda a sorte na busca pelos teus sonhos!

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  2. Pingback: One world | Gabi em Londres

  3. Oi, Gabi!
    Tô meio atrasada pra festa mas vim comentar porque adorei esse post!
    Também não te conheço mas te –stalk–…, sigo lá no IG e descobri agora teu blog. Não sou de comentar em blogs mas me super identifiquei com o post e acho que é refrescante encontrar gente que pensa assim como você (como eu penso também).
    Sou expatriada duas vezes (vai vendo!): a primeira à base do sonho-busca-com-garra-virou-realidade fui pro Canadá, mais ou menos sua história em grau menor, e a segunda no susto, uma oportunidade que apareceu de sair do Canadá e vir pros EUA (temporário por tempo indeterminado) e eu e o marido olhamos um pro outro e pensamos “por que não, né?”
    O que eu aprendi é que sempre vai ter gente te falando “que loucura, jogar TUDO pro alto! e se DER ERRADO?” ao que eu venho respondendo “primeiro que ‘tudo’ é super relativo; e o que é ‘dar errado’ pra você? Eu tô indo pra fazer dar certo. Pode ser mais ou menos complicado mas faz parte do crescimento…”
    Enfim, quase um livro, desculpaê, mas era só pra dar aquele tapinha nas costas mesmo. 😉

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    • Oi Flavia! Que demais a tua história!! Como tem sido nos EUA?

      Acho que mudar de país torna a gente tão mais forte, porque se você consegue começar uma vida do zero, o que mais vai te assustar?! Pra mim pessoalmente fez a maior diferença na minha auto-confiança.

      Quando as pessoas falam assim, parece até que alguém morre de desconforto… Morre-se de muitas coisas, mas não por sair da zona de conforto! Dar errado pra mim é não ter as necessidades básicas preenchidas, e isso um pouco de planejamento antes de ir resolve né?!

      Quando estava planejando vir, tive uma conversa muito legal com o meu pai e ele disse “filha, a tua pátria você sempre vai ter, a nossa casa vai sempre estar aberta, então vai! Se for diferente do que você imaginou, você pode facilmente voltar! Tem que correr atrás dos teus sonhos mesmo”. E outra coisa que procuro manter em mente é que quero que as minhas escolhas sejam baseadas nos meus sonhos, não nos meus medos! Né?! Beijo!!

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