Fish and chips

Como quem me segue no insta (@gabiemlondres) já deve imaginar – porque anda rolando um mimimi por lá de vez em quando – minha vida anda tão louca e eu tão exausta, que não trouxe almoço de casa pro trabalho. Então aproveitei que hoje é sexta-feira e ao invés de comer um sanduíche da lanchonete como de costume nesses casos, fui na cantina de comidas quentes pra bater um pratão do almoço tradicional de sexta-feira no UK: fish and chips!

  

Toda sexta-feira, em qualquer “cantina do trabalho”, pub ou boteco pé-sujo (conhecidos como greasy spoon) no Reino Unido, pode crer: o especial do dia vai ser sempre fish and chips.

Eu sou super curiosa e adoro história, então volta e meia penso “daonde será que vem isso?” e resolvo procurar aquilo que eu to vendo (ou comendo, ou bebendo ou usando hehehe) na Wikipedia. Então passei meu intervalo do almoço lendo sobre a história desse prato que é uma tradição tão caracteristicamente britânica. 

Sendo um país majoritariamente cristão, dá pra entender a escolha da sexta, né?! Já disse várias vezes que não sou uma pessoa religiosa, mas gosto muito de aprender sobre religiões e seus costumes porque acho que explicam muita coisa sobre o nosso mundo e são indissociáveis da história da humanidade.

(Parênteses pra uma curiosidade reveladora: quando a gente pesquisa no Google o porquê do peixe na sexta feira em inglês, aparecem textos históricos, explicando a origem da tradição. Em português, aparecem textos religiosos…)

Historicamente, os judeus observavam dois dias por semana de jejum – uma coisa que eu não sabia é que “jejum” no meio religioso não quer dizer jejum de fato, e sim a observancia de uma dieta restrita. Os dias de jejum, originalmente segunda e quinta, eram dias em que o sujeito procurava provar que era senhor de si mesmo e que a sua gula não estava no controle da situação (que nem no meu caso, hahahah). Os cristãos, que no início eram todos judeus, adotaram o costume, e logo mudaram os dias pra quarta, dia em que Jesus foi traído por Judas, e sexta, dia em que Jesus foi crucificado, e oferecer essa abnegação à fé. Comer carne era um grande luxo, já que só podia quem tinha terras suficientes pra criar gado ($$$) ou muito dinheiro pra comprar na feira ($$$$). Vegetais qualquer um podia ter, e peixe era só pescar nos rios do vale onde a pessoa morava, então esses eram alimentos considerados “de plebeus”, depois “de proletariado”, e portanto associados com auto-disciplina, abnegação e penitência. Com o passar do tempo foi-se perdendo essa conotação, mas a tradição pela tradição continua e aqui até nos restaurantes do Jamie Oliver um dos especiais do dia na sexta feira é peixe!

Até aí tudo bem né, peixe na sexta, vários outros países cristãos também tem tradições assim e tals. Mas como raios esse negócio foi ficar tão, mas TÃO popular que qualquer esquina no reino tem um chippy (boteco pé sujo de fish and chips)?! Tudo bem que se trata de um conjunto de ilhas, mas mesmo assim, até no centrão do país, onde tem 200km de terra pra cada lado, você pode ter certeza que vai encontrar um. Como pode um prato ser tão unânime?!

A resposta começa já com uma aula de história: a pesca com rede de arrasto (também conhecida em Florianopx como tarrafa néow ixtepô!) surgiu na mesma época da revolução industrial, então olha que lindo – de repente, era possível pescar milhares de peixes no Mar do Norte e, devido às novas ferrovias, passou  também a ser possível transportar o peixe fresquinho pra todo o país.

Agora uma pérola de sabedoria totalmente minha, sem ajuda da Wikipedia: ninguém tinha freezer nessa época, Braseeeeel!!! Peixe fresco TINHA que ser barato, porque nenhum vendedor quer ficar com um bando de peixe podre neam. “Mas Gabi… erm… Carne tbm apodrece amigã”. Sim, até o milagre da refrigeração, a única maneira de preservar proteína animal era salgando, mas o costume de comer carne de sal aqui é bem mais difundido do que comer o bacalhau salgado dos portugueses, por exemplo. Não sei pq. Mas se continuar explicando cada detalhe vou acabar com um livro inteiro sobre a história do prato 👍🏻. Ah não, perai, ESSE LIVRO JÁ EXISTE! Hahahaha 

Enfim, parece que o costume de comer peixe frito existe desde a época dos romanos, mas é diferente da maneira ibérica (por sua vez influenciada pelos romanos, e herdada por nós brasileiros quando os portugueses vieram) – enquanto nosso peixe frito é empanado em ovo e farinha, o inglês tem um ingrediente que faz ficar totalmente diferente: cerveja! É a chamada “beer batter”, que hoje em dia as vezes é substituída por bicarbonato, que faz a crocância e textura do empanado ficar diferente.

A primeira “loja de peixe frito” de Londres foi aberta em 1860, e ninguém sabe quem teve a ideia de combinar com batatas fritas – mas sabemos quem publicou pela primeira vez o termo “chips” pra se referir a elas: Charles Dickens! Por aqui, chips são essas batatas cortadas mais grossinhas, e fries são as french fries, fininhas como a gente é acostumado no Brasil. Mas o fato é que alguém teve essa ideia excelente, e os chippies passaram a se proliferar: lojinhas pequenas que consistem basicamente de um caldeirão cheio de óleo em que se fritam os peixes e as batatas, um balcão onde as pessoas fazem fila, escolhem o tipo de peixe que querem, pagam e saem devidamente carregadas de fish and chips, tradicionalmente enrolados em jornal (hoje em dia substituído por um papel em branco por razões de higiene).  

Na época da segunda guerra mundial, o Reino Unido passou por 14 anos de racionamento de comida – um dia faço um post sobre isso porque eu não sabia e aprendi um monte lendo sobre – e fish and chips eram dos poucos tipos de comida que não eram sujeitos ao racionamento, portanto contribuindo pra que se popularizassem ainda mais.

Hoje em dia, qualquer estabelecimento é obrigado a especificar qual tipo de peixe está vendendo, então mesmo nos chippies você nunca vai chegar e pedir “fish and chips please”, você vai escolher qual peixe pedir. Os mais comuns são bacalhau (cod), plaice (solha) e arinca (haddock).

Recomendo MUITO ir num chippy pra quem estiver visitando por aqui, porque não tem nada mais autenticamente britânico do que eles! O lugar em si é um pé-sujão cheirando a fritura, mas normalmente são os melhores fish and chips, os mais frescos e mais crocantes, e uns 30-50% mais baratos do que em pubs. É só comprar um pra levar e sentar em algum banco de praça pra comer!

Pra quem estiver turistando em torno do parlamento e South Bank, tem um bem típico perto da Westminster Abbey, numa ruela chamada Strutton Ground, ou então outro que é famoso e fácil de achar é o Masters Super Fish, na Waterloo Road.

Thumbs up pro meu primeiro fish and chips como moradora do UK!

 Pai e mãe provando fish and chips pela primeira vez no melhor lugar possível: na beira da praia!

 

Fish and chips com o Alex num sábado qualquer no pub ❤️
  

Alex acendendo a vela do meu “fish and chips de aniversario” hehehe um dia explico a tradição!
  
E minha comemoração de 28 anos 🙂

7 respostas em “Fish and chips

  1. Gabi, adoro ler seus posts. Sao de uma energia tao boa …
    Queria te pedir umas dicas. Sou medica de familia, formada em Ctba e sonho em trabalhar no NHS. Tenho um medo descomunal do tipo quase impeditivo que me freia e limita demais. Qdo comecei a ler seu blog, fiquei animada demais, mas ainda com medo kkkk, me ajudaaaaa… como sobrevivo sem clinicar no tempo q estiver estudando p revalidar o diploma ai?!

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    • Ah, que legal! Sempre fico super feliz quando as pessoas me dizem que a minha história anima e dá esperança 🙂
      Bom, a primeira coisa a saber é que medo é normal e inevitável – aquela boa e velha história de que coragem não é falta de medo e sim o triunfo sobre ele (tipo #vaicommedomesmo hehehe).
      Mas pra minimizar as angústias e riscos de uma mudança assim, a melhor estratégia é se preparar o máximo possível! Sobre a tua pergunta de viver sem clinicar até validar o diploma, você tem duas opções: a primeira é aplicar pro registro no GMC enquanto ainda estiver trabalhando e se mantendo no Brasil, ou se organizar financeiramente pra poder bancar uma vida em libras sem trabalhar. Essa opção não existia pra mim, então um ano antes de vir pra cá comecei a juntar os documentos, fiz o IELTS, mandei minha application pro GMC e entrei no registro médico muito antes de me mudar.
      Dá uma olhada no link http://www.gmc-uk.org/doctors/registration_applications/join_the_register.asp
      Aqui você pode ir selecionando o que se aplica à tua situação, e no final o algoritmo te explica o que será necessário para validar o seu diploma!

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  2. Oi Gabi! Sou estudante de medicina, e foi uma surpresa ótima achar o teu blog! Super fonte de inspiração ❤ Te mandei um email faz um tempo, não sei se tu recebeu. Queria entender melhor o processo pra conseguir um fellow aí no UK.

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  3. Pingback: Amsterdam | Gabi em Londres

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