MIND THE savage

Tenho pelo menos 3 coisas na fila do que quero escrever aqui, mas a grande verdade é que o causo de hoje não pode esperar – quero contar com riqueza de detalhes enquanto ele ainda me faz cair em pequenas crises de riso.

Pois bem. Hoje eu fiz parte do corpo docente de um curso com um impacto enorme sobre um assunto que é um dos meus preferidos: patient safety. Um dia quero escrever um post especificamente sobre isso, mas suffice to say que saí de casa as 6:30 da manhã, super feliz com a oportunidade, e nem vi o dia passar.

Mas o fato é que esses cursos que duram o dia inteiro são péssimos pra dieta da gente: mentaliza toda uma vibe excessivamente inglesa cujo aporte nutricional consiste de chá, sanduíches e salgadinhos (batatas fritas de pacote e associados). Agora pensa se isso alimenta uma draga como esta que vos fala? Óbvio que não né.

Então, na corridinha pra estação do metrô, debaixo de chuva, privada de sono e com uma preguiça imensa de preparar qualquer uma das 283 opções de refeição saudável que eu tinha em casa, tomei a decisão que qualquer adulto responsável tomaria: resolvi jantar 6 nuggets do McDonald’s que fica na frente da estação do metrô. No caminho de casa. Dentro do metrô. Tamanha era a minha fome e receio de desfechos piores caso esperasse até chegar em Bermondsey e passar na frente do Tesco.

Pois bem. Moço, 6 nuggets por favor. Molho? Barbecue, please. Segurando minha sacola quentinha e resistindo a tentação, desci até o primeiro patamar, que não era a minha linha, e já de cara avistei uma MULTIDAO descendo em direção à minha linha, querendo fugir da chuva repentina. Chegando na plataforma, tava daquele jeito que dá medo de cair no vão, sabe? Então achei um cantinho lá no final da plataforma, do lado de uns bancos que obviamente estavam ocupados, e resolvi esperar o próximo trem, apostando que a plataforma certamente não ficaria tão superpopulada dentro dos próximos 3 minutos.

Nesse meio tempo, uma menina asiática com seu malão de rodinhas parou pra esperar o trem na parte baixa, enquanto a maioria das estações que têm acesso step-free têm uma parte elevada – ou seja, ela não precisaria levantar o malão, simplesmente rodaria adiante pra dentro do vagão. Avisei a menina e, pra minha surpresa, o cara que tava num dos bancos me elogiou pela gentileza “vejo isso sempre e ninguém nunca avisa a pessoa”. Sorri e agradeci.

Me sentindo extra benevolente, resolvi aproveitar a espera até o próximo trem chegar pra comer meus nuggets enquanto ainda estavam quentinhos.

Abri o molho e joguei a tampinha num dos lixos de plástico transparentes (que assim o são porque em 1991 houve um atentado do IRA em Victoria com uma bomba que foi escondida em uma das lixeiras, e se seguiram 20 anos sem lixeira nenhuma no metrô londrino até que em 2011 algum abençoado teve a brilhante idéia de colocar esses aros amarelos onde se encaixa um plástico transparente)… Mas aí senti um cheiro diferente e pensei “puts que saquinho, o atendente do Mc me deu o molho errado”. Dito e feito, estiquei o pescoço pra ver dentro do lixo transparente e lá estava o culpado: tomate intenso. Migo, tomate intenso também conhecido como catchup né, deixa de onda McDonalds! E joguei o potinho todo fora, porque afinal nem gosto de catchup, essas calorias não valem a pena então não fiz questão de molho e mandei ver os nuggets sozinhos mesmo.

Só que, assim que eu terminei, o próximo trem chegou e a porta mais próxima de mim era de um vagão especialmente tranquilo, então ao invés de andar no sentido oposto e jogar a sacola de papelão no lixo supracitado, resolvi jogar na estação de casa quando chegasse.

Estou plenamente consciente do nível de desinteressância dessa narrativa até agora, que poder-se-ia, se não fosse pelas minhas mesóclises, resumir-se em: TRABALHEI BASTANTE, TAVA COM FOME, COMPREI NUGGETS E COMI NO METRO. Mas né, se você chegou até aqui, só me resta agradecer pelo voto de confiança.

Mas aí entrei no vagão, sentei confortavelmente e pensei comigo “ok, vou só organizar um pouco essa sacola volumosa insuportável, daqui a pouco me livro dela e pronto”. Alguém mais gosta de organizar o lixo antes de jogar fora?  Não entendo gente que entrega tudo separado e zoneado no avião – mas gente, cabe tudo no copo, olha, é só dobrar bem dobradinho!

E como tinha a embalagem quadradinha dos nuggets, dobrei energeticamente… Tão energeticamente, na verdade, que em frações de segundo vi um filme passando em câmera lenta em frente aos meus olhos: uma resistência maior no canto esquerdo da sacola, seguido imediatamente por uma mini explosão, seguida imediatamente por um jato poderoso do DEMO DO MOLHO BARBECUE que no fim das contas o atendente tinha, de fato, me dado. Quando o slow-motion acabou, me dei conta que não somente a coxa esquerda da minha calça jeans, como tambem o canto inferior esquerdo da minha bolsa carésima de couro estavam com aquele grude característico que só uma erupção de glicose faz por você, mas que -horror dos horrores- o canto do casaco da guria do meu lado também tinha sido alvejado!!!! HAHAHAHAH gente não deu nem tempo de registrar a reação da guria, só sei que me encontrei com umas massas amorfas de molho barbecue na minha coxa e mão esquerdas, a minha bolsa xodó atingida em tangente, e a mão direita ocupada com a sacola explodida. Não sabia o que limpava primeiro: o casaco da guria? Mas a minha mão tá suja! A bolsa? A calça? Gente, como eu sou retardada! Puts e agora como que eu vou limpar isso? Já comecei a pedir desculpas profusas logo ali, logicamente.

Eu sempre carrego lenços umedecidos, mas a minha mão estava TAO suja e grudenta que meu maior pânico era sujar o interior da minha bolsa no processo de catar os tais dos lenços, que moram num cantinho lateral bem estreito da bolsa.

Ok, hora de deixar o orgulho de lado. Levantei a cabeça do meu desastre ultraglicêmico: does anyone have a tissue please? E apesar do londrino ser reconhecidamente avesso a interações no metrô em geral, que aliás é uma coisa que eu amo, quando se trata de solidariedade o povo tem de sobra, e dentro de 5 segundos apareceram três lenços de papel, um ticket do metrô em cartolina (you can use it to scoop the sauce, you see) e dois lenços umedecidos, um deles vindo de uma guriazinha risonha de uns 8 anos que obviamente achou o máximo poder ajudar naquela comoção.

Só então é que eu fui registrar a cara da guria do meu lado, com a sua parka verde musgo agora com nuances de vermelho barbecue. Uma lembrança da minha infância piscou vividamente na minha mente nesse momento:

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Juro que a cara da guria era EXATAMENTE  a cara do baixinho da Pantera Cor de Rosa (meu desenho preferido quando criança).

Pouco a pouco fui limpando a lambança, ajudei a guria a limpar o casaco dela e fiquei na torcida pra ela não estar a caminho de um date – mas confesso que julguei pela roupa e pensei que ela devia estar indo pra casa, não, ela certamente tá indo pra casa, vamos pensar positivo. Sorri e agradeci as almas caridosas que me estenderam a mão nesse momento de necessidade, e pouco a pouco foram se dispersando em outras estações.

Só que, logo depois que a poeira abaixou, me dei conta mais ainda do ridículo da situação e tive que passar o resto do trajeto inteiro até em casa me segurando pra não rir!!! A guria continuou fumegando de brabeza e resignação do meu lado.

Ao sair do vagão, pedi desculpas mais uma vez e comecei a rir assim que as portas se fecharam!

“Miga, agora você tá brabeza desse jeito, mas daqui a um, dois, cinco anos você vai rir contando pra alguém sobre a retardada que explodiu na selvageria total um molho barbecue no metrô enquanto tentava organizar o próprio lixo! E vou além: se é pra ser vítima de alguma explosão no metrô, que seja de molho né?!”

8 respostas em “MIND THE savage

  1. Gabi, sabe quando alguém te conta uma história e vc visualiza cena por cena na sua cabeça?!! Foi assim lendo seu relato agora!!! Hahahaha
    Com certeza vc vai lembrar da menina do metrô e ela de vc por algum tempo ainda!! Hahahaha #cenasdavidareal 😂
    Beijos 😘

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    • Hahahah sim, guria, imagina ela daqui a 5 anos contando pra alguém sobre “aquela vez que uma retardada explodiu um molho do McDonald’s em mim no metrô” 😂
      E eu espero que esse seja pra sempre o maior mico que eu já paguei no metrô! Hahaha
      Beijos

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    • Hahahah pois é Tina, todo cuidado é pouco, vai que o atendente te deu um molho a mais?! 😂
      Ótima prática essa de só comer sentada à mesa, eu vivo comendo pelos cantos, garanto que emagreço se fizer o mesmo que você!! 😉

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      • Hahaha que golpe baixo! 😝 Mas pode deixar, afinal de contas é uma demonstração inquestionável que teus argumentos #garotaenxaqueca sobre comer no metrô tem toda a razão!!!
        To tentando adotar essa de comer sem distrações pq especialmente na correria de Londres eu comecei a comer com menos atenção ainda do que já comia por causa do trabalho!

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  2. haha demais! Acho queé por essas e muitas outras que é proibido comer e beber dentro no metrô aqui em Singa – e não só, idem para ônibus, táxi e até mesmo dentro das estações!

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    • Pois é, caso emblemático pra ilustrar o porquê de não comer nem levar comida no metrô, hahahah.. Pior que eu nem estava comendo dentro do vagão, comi na plataforma e levei o pacote vazio pra dentro do trem pq o lixo tava longinho! Mas enfim… lição aprendida né!

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