Conquistas

Já falei mil vezes: blasé eu não sou. Jamais serei. Me deslumbro com as coisas mesmo, no fundo serei eternamente uma guria do interior que custou a acreditar que ganhar o mundo era um sonho possível, e gosto de comemorar cada pequena vitória na minha vida. Pode parecer narcisismo e auto-congratulação pura, mas a verdade é que é uma estratégia de sobrevivência emocional. Sou muito auto-crítica, então acho importante ressaltar pra mim mesma tudo que eu já consegui conquistar, o quão longe já cheguei, porque minha tendência natural é só enxergar o quanto ainda falta pra chegar onde eu quero – o que, convenhamos, pode ser mais cool mas não é nada saudável.

O último mês foi particularmente surreal nesse quesito. Teve aqueles momentos em que a gente se belisca, pensando “é isso mesmo, produção?!”, como foi o evento fechado ao qual fui convidada na Queen’s Gallery, no Palácio de Buckingham, e terminou no mesmo tom com outro evento de alto escalão que ainda vou voltar pra contar.

Mas melhores ainda são os momentos em que não precisa se beliscar coisa nenhuma, porque o sofrimento que veio antes da conquista é tão, mas TAO real, que a alegria tem gosto de merecimento puro e irrestrito.

Esse mês, eu antecipei uma prova que tinha planejado fazer em março. Meu mentor sentou comigo em meados de setembro e disse: “Gabi, vambora, faz a prova em novembro que se você passar em tudo agora, isso pode te economizar 6 a 12 meses na progressão da carreira”. Respondi que não me sentia pronta, que tinha feito questões e ficado de cabelo em pé, que todos os colegas tinham me assustado falando sobre a dificuldade da prova, que as taxas de aprovação eram 50% mesmo considerando que todo mundo estuda de 4 a 6 meses, certamente não valia a pena queimar uma tentativa tendo estudado menos de 2 meses, e depois ficar marcada no currículo como quem não passou de primeira. Ele disse que não estaria me incentivando se não soubesse que eu era fully capable de estudar e passar no tempo disponível. E que eu não tinha absolutamente nada a perder a não ser o dinheiro da inscrição, já que ninguém olha quantas vezes a pessoa prestou a prova nas entrevistas de emprego lá na frente.

Fiz alguns simulados e me inscrevi. Larguei todo o resto e só estudei por 6 semanas. Depois de várias crises de auto-dúvida ao longo dessas semanas, chegou o dia da prova. Eu gosto de fazer provas quando me sinto preparada. Sabe aquela vibe “VEMNIMIM, quiridu, que quero responder tudo isso aí”?! Foi assim no vestibular, foi assim na prova de residência. Eu gosto de fazer prova quando eu tô preparada. Acredito muito que a chave do sucesso é a auto-confiança, e a chave da auto-confiança é a preparação. Então quando a gente não tá botando fé no próprio taco, fica tudo tão mais difícil! Ao mesmo tempo, como sou super procrastinadora, se não tivesse um empurrãozinho, provavelmente enrolaria eternamente pra fazer essas provas, só pelo medo da fama – dizem que as provas de anestesia são as provas de especialidade mais difíceis do UK. Sabia que antecipar a prova tinha sido a escolha certa, mas estava com medo mesmo assim.

Aí, na manhã da prova, eu vi no instagram uma frase que me atingiu com a força de um meteoro:

THERE IS NEVER THE RIGHT TIME TO DO A DIFFICULT THING. Existe maior verdade que essa?

Ao mesmo tempo, enquanto fazia meus ovos mexidos de café da manhã, comecei a pensar comigo que há quase exatos 2 anos, eu estava sentada na pracinha na frente do Royal College, chorando porque tinham me dito que eu não poderia participar de um programa deles que facilita a vinda de fellows. Comecei a me dar conta que, dentro desses 2 anos, eu consegui um emprego excelente num centro de respeito na minha área, completei meu fellow em cardíaca, me adaptei maravilhosamente bem , ajustei o plano de vôo para acomodar a vontade de ficar por aqui, e agora estava dando os primeiros passos da próxima era da minha carreira. Essa mudança de perspectiva me ajudou a ver que o simples fato de estar FAZENDO a prova era uma conquista. Nem sei se algum outro médico brasileiro já fez essa prova antes. Inscrita e registrada no Royal College of Anaesthetists, tendo o respeito e apoio de gente grande na anestesia londrina, traçando um caminho único e desbravando uma mata virgem que eu não conheço ninguém que tenha feito antes – não importava mais se eu passaria dessa vez ou não. E foi com essa gratidão e auto-confiança encontrada de última hora que eu entrei na mesma sede que me tirou as esperanças de um caminho mais fácil 2 anos atrás.

Saí da prova e bebi meu merecido vinhozinho branco ainda nesse clima, e depois segui pra jantar com a Paola. No dia seguinte, fui pro outlet de Bicester Village procurar uma bolsa que não encontrei, mas comprei um presentinho de consolação pós-prova. Me permiti mais um dia de folga, e no fim de semana tive que encarar a realidade: eu precisava terminar meu logbook de eco, o projeto inicial da minha vinda pra Londres, que eu comecei há quase dois anos e agora precisava finalizar dentro de 15 dias.

De novo passei o fim de semana todo na sofrência, me recusando a encarar a quantidade de trabalho que precisava fazer em tão pouco tempo. Mais uma vez, deixei todo o resto de lado e mergulhei de volta no projeto que se eu fosse mais esperta, teria terminado em setembro. A verdade é que, como minhas prioridades profissionais mudaram e esse projeto do eco exige que a gente faça e envie uma quantidade hercúlea de laudos e mais 6 vídeos com casos completos, eu não aguentava mais ver um eco na minha frente! Claro que ainda adoro, mas é a parte da certificação que vai erodindo a paciência da gente. No fim das contas foi legal voltar pro centro cirúrgico pra coletar umas últimas imagens, fiquei satisfeita com várias mas como sou perfeccionista, acabei montando 8 casos completos e descartando os 2 piores.

Nesse meio tempo, o Royal College liberou os resultados e eu soube que tinha passado na primeira fase da prova!!! Traçar um caminho diferente dos colegas é uma atividade solitária – meus colegas ingleses já fizeram essa mesma prova anos atrás, os colegas europeus não precisam fazer, e os poucos colegas não-europeus desistiram diante da dificuldade. Então eu recebi a notícia enquanto estava no hospital, já contei pra vários chefes e colegas. Gente, a alegria dos chefes que mais me apoiam era surreal, de repente você se dá conta que não está sozinha. Obviamente eu nunca estive, porque o Alex, meus pais, irmão e melhores amigas estavam todos na sofrência e torcida junto comigo, mas no âmbito profissional, fiquei feliz demais!!! O auxiliar de anestesia até tirou uma onda com a minha cara, disse “vê se comemora direito antes de pensar na próxima fase né”.

Enfim, de novo tomei um prossecozinho com a Paolex naquele dia só pra não deixar passar em branco, mas mal pude curtir o gosto da conquista porque tava tão estressada com o outro projeto que tinha que finalizar. Depois de TO-DOS os perrengues tecnológicos possíveis, inclusive problemas no servidor do hospital, depois nos formatos de vídeos, depois na plataforma de envio, eu finalmente cliquei ENVIAR e aí sim pude correr pra galera!!! Fui com a Paola nos iglus mais disputados de Londres pra curtir um prosecco com vista, e depois o Roni chegou do trabalho e jantamos juntos por lá mesmo.

Essas duas conquistas, a primeira fase da prova e o logbook finalizado, são do tipo que falei lá em cima. São aquelas conquistas sofridas, suadas, e apesar de por si só não me levarem a lugares específicos e sim serem somente stepping stones para o futuro que eu almejo, nessas horas eu não tenho pudor nenhum de alimentar meu Narciso interior e dar aquele auto-tapinha nas costas. Muito bem, Gabi. Tem chão ainda, mas não tás fazendo feio não. Keep calm and carry on.

A gente pode escolher entre ser um big fish in a small pond ou um small fish in a big pond. Nos anos que antecederam minha mudança, conheci alguns grandes médicos que fizeram a escolha consciente de ser peixe grande em lago pequeno porque admitiram não conseguiram ou não conseguiriam lidar com a pressão de serem peixes pequenos em grandes lagos. “Gabi, voltei porque prefiro ser cabeça de rato a rabo de baleia”.

Eu sofro sim. Duvido da minha capacidade, me questiono, fico de mimimi que só quem é muito íntimo conhece e atura. Não sei se um dia me juntarei ao coro dos que voltaram, que mudaram de prioridade, que viram o lado bom do lago pequeno. Mas desde os 16 anos, descobri que pular pra lagos maiores obriga a gente a crescer pra sobreviver… tem um tipo de crescimento que é tipo chave secreta de videogame, a gente só desbloqueia quando aceita as mazelas de ser peixe pequeno.

13 respostas em “Conquistas

  1. Gabi, parabéns por todas as pequenas grandes conquistas! Nada melhor nessa vida do que permitir que novos horizontes sejam criados, e perceber que um dos maiores benefícios da nossa evolução e amadurecimento é podermos mudar de opinião e se sentir bem com isso. Em geral, pessoas que não mudam de opinião não valorizaram suas experiências. Até mesmo quando isso significa fazer algo que algum dia vc pode nunca ter imaginado desejar. Que vc siga trilhando seu caminho com alegria, achando lagos cada vez maiores. E se algum dia desejar pegar a curva oposta e ela te levar ao pequeno lago, continue sendo feliz! Afinal, seu destino será uma consequência de suas próprias escolhas.

    Curtir

    • Muito obrigada Ana, que comentário mais querido! Concordo plenamente com vc. O homem que vê o mundo aos 50 anos da mesma maneira que o via aos 20 desperdiçou 30 anos da sua vida né?! A vida foi feita pra gente evoluir e mudar de perspectiva! 😘

      Curtir

  2. Gabi, vou culpar a TPM hahah mas chorei lendo seu post, é admirador. Realmente pular pra lagos maiores obriga a gente a crescer pra sobreviver. Estou tentando medicina, mas ao mesmo tempo tenho que trabalhar para conseguir pagar cursinho e afins e tenho você como exemplo de uma grande e apaixonada profissional médica. Muito sucesso no seu caminho, beijos!

    Curtir

    • Obrigada, Sheila!!! É uma profissão que exige muito, muuuito da gente em vários sentidos, mas recebo de volta muitas lições de vida e realização pessoal. Pessoalmente acho que vale a pena.
      Estudar pra entrar em Medicina tendo que trabalhar ao mesmo tempo é uma grande provação, te desejo toda a sorte e concentração possíveis – quando vc passar por isso, vai tirar a faculdade de letra 🙂
      Beijos!

      Curtir

  3. Obrigada pela inspiração! Gosto muito de ler sua reflexoes especialmente nos dias que estou precisando de um forcinha para escrever minha dissertação. É exatamente isso, se eu quiser pular de fase tenho que ter em mente que não posso me contentar em ser “peixe grande em lago pequeno”! Beijos.

    Curtir

Deixe um comentário