Semana passada eu tive um momento daqueles #vencendonavida.
Coloquei meu little black dress, entrei no metrô, atravessei o Green Park batendo cabelo, parei num cantinho pra trocar a sapatilha pelo salto, e entrei no Palácio de Buckingham, onde uma recepcionista cheia de pompa verificou meu nome e um moço servindo vinho branco geladinho me aguardava prontamente.

Hahahaha excelente né?! Na verdade é muito menos glamour do que parece, mas ainda assim não poderia deixar de comemorar ver meu nome na lista de convidados de um evento privé na casa da realeza britânica, certo? Já falei que blasé e cool eu definitivamente não sou, e celebro até as coisas mais banais.
É aquela velha história do “conheço alguém que conhece alguém”, então quando a amiga da minha cunhada nos chamou pra esse evento de preview da nova exposição no palácio, eu respondi sem pestanejar que estaria lá, apesar de o evento ser em plena segunda feira, uma semana antes da tal prova importante que estava consumindo meu tempo.

O evento não era no prédio principal do palácio e sim na Queen’s Gallery, que tecnicamente fica dentro do palácio mas é uma galeria normalmente aberta ao público, com uma entrada separada, expondo a coleção de obras de arte da realeza britânica. Inclusive foi a primeira galeria de arte que visitei aqui, há quase 8 anos! A história é um sarro na verdade, e contando pra essa amiga, nos demos conta que ela estava estagiando lá exatamente nessa época e podemos até ter nos esbarrado! Que mundo louco, né?

Um evento turistão recomendado fortemente pela comunidade no orkut (hahahah) onde passei hoooras planejando a viagem antes de vir em 2008 era a troca da guarda no Palácio de Buckingham. Eu sei, kuen kuen kuen. Suffice to say que em pleno 27 de dezembro, não foi a melhor idéia do mundo e depois de “chegar cedo pra ver bem” e esperar uma eternidade esmagadas conta o portão do palácio, Joy e eu estávamos congeladas real oficial e não tinha chá que resolvesse. Como queríamos continuar na função, falei JA SEI, olha ali aquela plaquinha da Queen’s Gallery, vamos entrar e ver qual é, já aproveitamos e nos esquentamos antes de continuar batendo perna!
No fim das contas, foi um dos nossos lugares preferidos! A família real tem muitos, muitos Rubens e Van Dyck e nós, mesmo sendo turistas incultas e incautas, nos apaixonamos pela estética dos artistas flamengos. Era dia 27 de dezembro e eu lembro exatamente da nossa empolgação com a árvore de natal linda da galeria, decorada toda com mini coroas! Antes de sair, comprei uma latinha de chá do Palácio de Buckingham pra minha mãe e outra pra minha vó, que elas guardam até hoje porque é a côsa mash quirida e ainda mais linda do que essa do link, um vermelho escarlate decorado com o brasão da rainha Elizabeth II.

Fast forward 8 anos, eis que eu entro de novo na mesma galeria. Dessa vez, sem frio, sem pés congelando, sem jeans amarrotado de estudante, sem cabelo esculhambado lavado no cubículo do banheiro compartilhado do hostel e, mesmo que não tenha sido mérito meu, cheia de gratidão pelos caminhos que a minha vida tomou. E o mesmo deslumbre com a árvore de natal.

Não sou entendedora de arte, mas sempre gostei muito de aprender sobre a vida dos artistas e as peculiaridades de cada época e estilo, como o contexto da vida deles influenciou as telas que vemos hoje – já falei antes sobre a minha predileção pelo Impressionismo e lembro nitidamente que lá pelo meio da faculdade, nos idos de 2007, quando estava frustrada com o quanto a medicina estava engolindo a minha identidade, procurei cursos tanto de História Clássica quanto História da Arte em Floripa. Não encontrei nenhum curso de história da arte, e nem pude ser aluna ouvinte de uma das cadeiras de história da UFSC. Hoje em dia, meu interesse em história geral é muito maior ainda e sigo querendo fazer um curso desses, mas continuo gostando muito de agradar meus olhos com imagens que saíram da cabeça e mãos de alguém, por vezes muitos séculos atrás.
Então o mais legal desse evento não foi nem sequer o fato de ser um evento privado, com um número limitado de pessoas circulando em paz sem aglomeração pela galeria com suas taças de vinho, e sim o fato de que essa amiga é PhD em história da arte – que significa que, além dos discursos de abertura da exposição e as mini talks sobre 3 quadros escolhidos, tivemos o privilégio de perambular pelas salas recebendo pequenas doses de conhecimento técnico à medida em que progredíamos.
Ela nos mostrou, em dois quadros que estavam lado a lado, a diferença entre as pinceladas dos holandeses e dos italianos do século XVII, que faz com que os conoisseurs batam o olho de longe e saibam de onde e de que época uma tela é. Nos contou alguns detalhes sobre as novas tecnologias que permitem datar com precisão algumas obras, como por exemplo a análise da madeira base, e que existe toda uma área de conhecimento especializada nas molduras.
A exposição se chama Portrait of the Artist e quando fiz meu primeiro comentário perguntando se a escolha tinha algum paralelo com o narcisismo e obsessão com selfies de hoje em dia, ela me contou que o Telegraph tinha levantado a mesma possibilidade depois do evento pra imprensa, mas que uma exposição dessas leva tempo, uns 4 anos pra planejar, desde a idéia inicial, passando pela pesquisa, levantamento de obras da Royal Collection e produção de legendas que criem uma narrativa em torno do tema da exposição.
Como sou super curiosa sobre a realeza e tudo que os diz respeito, fiz algumas perguntas sobre a Royal Collection. Ela contou que eles nunca emprestam obras de arte de outras coleções: absolutamente tudo que está ali exposto pertence à família real. Mas dentro do acervo real, eles podem fazer todas as combinações e arranjos possíveis: os quadros e gravuras que estavam ali tinham vindo de Windsor, Balmoral, quaisquer outros palácios e residências reais.
Perguntei se eles poderiam, por exemplo, expor um quadro que estivesse em um dos cômodos privados do palácio de Buckingham ou Kensington etc. E aí ela me contou também que existe a coleção real, a Royal Collection, que é pública e pertence à realeza como um todo, e as coleções privadas da Rainha, do Príncipe Phillip e do Príncipe de Gales. E que, no caso de existir algum quadro pessoal da Rainha que eles queiram expor, é necessária uma solicitação especial aos curadores da coleção pessoal dela, explicando a relevância da obra, por quanto tempo ficaria exposta, e organizar uma obra adequada para substituir o lugar daquela durante o tal período. Acho fascinante toda a função envolvida!
Inclusive tinha ali uma dupla super interessante que faz parte de uma coleção privada: um quadro pintado por [artista cujo nome não lembro] retratando o Duque de Edinburgo pintando um quadro no deck do barco real Britannia, e o quadro que ele pintava naquele momento, que por sua vez retratava o [artista cujo nome não lembro] pintando o seu quadro. Eu nem sabia que o Príncipe Phillip pintava, e ele não é nada mau!
Enfim, foi uma experiência sensacional, daquelas que você jamais imaginou que fosse viver, sabe? Fiquei pensando… ano passado passei por um momento desses de “MELDELS essa gente acha tudo muito normal e blasé, mas tô aqui no meu novo-mundismo totalmente deslumbrada” bebericando meu vinho branco num evento privado na Banqueting House de Whitehall, esse ano no Palácio de Buckingham. Desse jeito vou ficar muito mal acostumada! Ô sorte na vida!