Cereal Killer

Já tava quaaase esquecendo de escrever aqui hoje!

Hoje de manhã, apesar da chuvinha chata, fomos a Shoreditch porque eu tava querendo ir a um café que tem um conceito muito legal: é um lugar especializado em todo tipo de cereal matinal, desses das antigas mesmo, aquelas caixas que quem foi criança nos anos 80 e 90 conhece tão bem.

Meu preferido era o do elefante, o Choco Krispies, e lembro que o do Rodrigo (acho) que era Fruit Loops. Aí chegamos lá e o menu é super inusitado, eles têm umas tigelas “sugeridas” em que eles misturam alguns tipos de cereal que acham que combinam – por exemplo o Alex pediu uma tigela toda centrada nos sabores de manteiga de amendoim, com umas bolinhas de chocolate e leite sabor banana. Já eu, como a razão da visita eram os floquinhos de arroz estourado cobertos de chocolate, acabei pedindo uma “monte sua tigela” com esses e uns Cinnabons, que são um cereal de canela super doce que eu teria amado se existissem na infância, e freeze-dried unicorn marshmallows 😂

Muito legal mesmo, e aí além de usarem os próprios cereais como decoração, eles seguiram o “tema” anos 80-90 com uns trolls nas prateleiras, uns bichinhos de pelúcia, e uma trilha sonora engraçadíssima de hits da época. E como se isso tudo não bastasse, ainda te trazem a conta dentro de uma capa de vídeo das antigas em VHS!

Pena que não deu pra esticar o passeio como eu tinha planejado inicialmente, eu AMO o Columbia Rd Flower Market então seria perfeito irmos lá, depois tomarmos o café da manhã e continuarmos perambulando por Brick Lane até vir pra casa. Mas na chuva não teria a mesma graça, então resolvi deixar pra lá e vir pra casa agilizar a vida pra essas próximas duas semanas que serão bem corridas – mas mesmo assim não consegui fazer tudo que queria 😣 Vou ter que me virar nos 30!

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Flanando por Londres

Hoje o dia foi de flanar pela cidade e me despedir da Dri, que tá de mudança pros Estados Unidos essa semana. Então a Soph reservou pra gente almoçar num restaurante novo no rooftop da Selfridges: Il Tetto – e cara, que bola dentro!!! Comida italiana de verdade e um clima muito gostoso!!!

Depois cruzamos o Hyde Park passeando, tirando uma foto aqui e outra ali, beirando a Serpentine, paramos pra tomar um chá e papear mais… e depois fomos ao Victoria and Albert Museum. A Dri não ia lá há anos e queria voltar, e eu adorei a escolha dela porque nunca tinha ido. Com certeza não será minha última visita!!! Tem umas peças de decoração muito lindas, uns tapetes persas de cair o queixo, mas fiquei surpresa ao ver tantas esculturas – eu na minha ignorância achava que era um museu só de design e moda, mas na verdade depois descobri que ele tem a maior coleção de esculturas renascentistas fora da Itália! E além de ter tudo isso, tem uma arquitetura maravilhosa que só perde pro vizinho Natural History Museum.

Então chegamos lá e aproveitamos o solzinho pra sentar no courtyard, olhar as crianças brincando no espelho d’água e falar da vida. Muito muito gostoso, curti demais.

Até tentamos encerrar o dia com um drink NO Tâmisa, no Tattershall Castle que eu curto muito, mas as meninas imediatamente notaram o balanço do barco e decretaram que não ia rolar, hehehe… então cruzamos pro South Bank, jantamos no Wagamama e encerramos o dia com um brinde no Founders Arms.

O dia foi uma delicia, só flanando por Londres, falando da vida e de planos, dos novos capítulos que cada uma tem pela frente, muita energia boa mesmo. Sempre admirei demais a maneira da Dri encarar a vida de braços abertos e hoje foi mais uma celebração dessa filosofia de vida, que nós três compartilhamos ❤️

Pra encerrar com chave de ouro, vim pra casa a pé ouvindo música, pra completar minha caminhada preferida no mundo, deitei no sofá com o Alex e estamos aqui de preguiça, ele vendo os melhores momentos do futebol, eu escrevendo aqui, e daqui a pouco saem empadinhas quentinhas do forno pra completar nossa domestic bliss! Hehehehe

É primaveraaaa

Hoje fez um dia lindo, super agradável e ameno, aquela luz dourada já mais veranil – é incrível como a gente nota muito claramente as diferenças no ângulo de incidência da luz aqui conforme as estações.

Terminei minhas anestesias relativamente cedo, ainda fiz a boa moça e fui me oferecer pra liberar dois colegas para lancharem, etc etc, e ainda assim sai do hospital antes das 17h!!! AI QUE FESTA!

Aí no caminho pra casa mandei mensagem pra umas amigas perguntando se alguém queria me encontrar em Shad Thames pra tomar um drink na beira do rio. A Paola veio, e depois a Dri, que tinha ido encontrar uma amiga em outro lugar, também resolveu ir pra lá nos encontrar. No fim das contas acabamos as 4 rindo horrores, falando alto e fazendo mil piadas em português no restaurante!

Falei no Instagram (@gabiemlondres) sobre QUÃO feliz o londrino fica quando faz um dia bonito!!! É muito legal essa gratidão e vontade de viver que toma conta da cidade em dias bonitos!

Auto-conhecimento

Quanto mais o tempo passa, maior o peso do auto-conhecimento nos meus objetivos de vida.

Ter mais clareza sobre quem a gente é, o que a gente gosta ou desgosta, o que realmente importa na vida da gente, como a gente reage quando está com medo, como a gente lida com mudanças (etc etc, a lista não tem fim) é uma tarefa que eu pessoalmente considero difícil.

Primeiro de tudo porque, do ponto de vista evolucionário, nossa mente não foi feita para ver a vida com clareza. Nossa mente foi feita para ver a vida da maneira que mais contribua para o sucesso evolutivo (leia-se assegurar que nossos genes sejam passados adiante). Veja que isso não está em discussão, nem estou questionando se é justo ou correto. Se você acredita em ciência e na evolução das espécies, isso é apenas mais um fato que decorre muito logicamente dos bilhões de anos de seleção natural. Assim sendo, nossa mente mente pra gente o tempo todo, o que torna a auto-análise e a auto-imagem muito dúbias.

E segundo, porque auto-conhecimento requer reflexão, e em um mundo em movimento incessante, em um mundo que cada vez mais compete pela nossa atenção, cada vez sobra menos tempo para a introspecção verdadeira, para o ócio genuíno, o ócio produtivo – para de fato olhar pra dentro ao invés de pensar nas mensagens não respondidas no WhatsApp.

Em janeiro desse ano, eu tive um insight super importante, eu diria que talvez um dos mais importantes que já tive nos meus tenros 30 anos de vida (hahaha) – e hoje sei que poderia ter me poupado muita frustração se tivesse tido esse mesmo insight 2 ou 3 meses antes! Mas não vou falar o que é porque acabei de voltar de um jantarzinho no Soho com uma amiga e agora tá na hora de ir dormir, porque amanhã tem mais labuta me aguardando, mas como diz um jornalista de telejornal no Brasil, graças a Deus é sexta feira! 😂

Multitasking é uma falácia

O conceito “estar ocupado” é tão glamourizado hoje em dia que as pessoas se sentem praticamente culpadas quando não estão administrando 38 tarefas diferentes ao mesmo tempo. As vezes penso que estamos doentes coletivamente com uma ansiedade endêmica e que o ócio criativo só sobrevive (e bem, obrigada) naquelas cidades de interior onde a gente passa de carro e vê um vôzinho de 80 anos sentado de boa no lado na varanda de casa, contemplando o nada, sabe-se lá pensando em quê.

Não me entendam mal: eu adoro produtividade, adoro automatizar tarefas que não agregam nada à minha vida (como por exemplo pagar contas – existe alguém que ainda paga uma por uma?!) e adoro descobrir maneiras mais eficientes de fazer uma mesma tarefa.

Mas eu acho que as pessoas confundem o conceito de multitasking com o conceito de tocar a própria vida na forma de múltiplos projetos.

Multitasking seria você literalmente fazer varias tarefas ao mesmo tempo: fazer aquela ligação para a operadora de celular enquanto caminha pro trabalho tentando não ser atropelada na rua, conversar com o namorado sobre os planos do fim de semana enquanto atualiza o orçamento no laptop, seja lá o que for. E já está mais do que provado que o cérebro humano não foi feito pra funcionar dessa maneira. A cada interrupção, você tem um gasto de energia adicional ao retornar, até que o seu cérebro processe de novo em que ponto estava, e recapitule o que é necessário fazer agora. Acaba que você faz múltiplas tarefas mas faz múltiplas tarefas mal-feitas.

Já o approach de mini projetos seria você aceitar ir até onde pode com uma determinada tarefa, mas aí tem uma etapa que não está no seu controle, que não depende de você – aí faz sentido abandonar temporariamente e engavetar até que a pendência se resolva, e aí faz sentido usar esse período para avançar em outro mini projeto.

Exemplo: chego em casa e é meu dia de fazer o jantar (projeto A) mas também preciso dobrar as roupas que secaram do dia anterior (projeto B). Se meu jantar vai ser uma refeição fácil e semi-pronta (que é o caso na maioria das vezes), eu coloco o bolinho de peixe para assar com um timer de 10 minutos, abandono e vou dobrar as roupas. Quando o forno apitar, vou ali e coloco os vegetais na panela pra ferver, e coloco mais um timer de 10 minutos. Nesse intervalo, eu posso esquecer que o jantar existe, porque deleguei a função de me lembrar do horário ao timer, e não há nada mais que eu possa fazer para acelerar/finalizar o projeto A. Então nesse período, posso dobrar todas as meias e todas as roupas íntimas, e finalizar o projeto B antes de poder retomar o projeto A. Mas em nenhum momento tentei fazer duas coisas ao mesmo tempo, entende? Só estou usando um intervalo de tempo obrigatório a meu favor. E se eu estiver fazendo um jantar intenso, que me exige ficar na beira do fogão mexendo o tempo todo, logicamente não tentarei fazer mais nada nesse período.

Eu gosto muito de ler ficção, mas também curto muito livros sobre neuropsicologia e o funcionamento da mente humana, por que somos como somos e tal. Um deles é sobre um dos meus conceitos preferidos, que por muitos anos procurei uma explicação e finalmente encontrei – chama-se Flow e trata do (agora já consagrado) estado de fluxo: quando você está no ponto ótimo de concentração e absorção em uma tarefa. Meu primeiro contato com essa sensação foi nas provas de matemática no colégio – eu curtia muito a resolução dos problemas, parecia um transe mesmo, e o tempo parecia simultaneamente se alongar e se encurtar. Não, eu não usava LSD antes das provas de matemática 😂 mas sabe aquela sensação de “nossa, mas já acabou?!” combinada a uma sensação de presença de espírito, de você estar 100% ali, 100% atenta ao momento presente?!

Claro que as atividades que induzem e permitem esse estado de fluxo são muito variadas dependendo de habilidades e gostos pessoais, e obviamente muitas tarefas mundanas jamais elicitarão esse tipo de sensação em ninguém.

Mas quando a gente presta atenção irrestrita no que está fazendo, quando a gente se nega a ser carregado pelos pensamentos para um passado que não pode ser modificado ou para um futuro que pode não acontecer, tudo fica melhor, né?!

Enfim, esse assunto da muito mais pano pra manga, mas agora fiquei tão empolgada escrevendo que acabei de me dar conta que o tempo passou e preciso ir dormir logo porque amanhã a labuta me aguarda e o dia será longo!

Novo velho ritmo

Gente, é só o terceiro dia do mês e eu já quase esqueci de escrever aqui!

Como falei ontem, em março eu mudei de emprego, e não só eu voltei para o dia a dia de anestesista que por si só é muito mais dinâmico do que o de intensivista, mas ainda por cima estou trabalhando em áreas da anestesia que são o expoente disso – quando vim pra cá, fiz um ano e meio de cardiaca, que são cirurgias super longas e apesar de estarmos trabalhando o dia inteiro, temos 2 ou 3 cirurgias por dia, e só.

Hoje de manhã eu cheguei no trabalho, fiz avaliação pré-anestésica de 7 pacientes, depois anestesiei as 7 pacientes, engoli meu almoço em 15 minutos e depois vi os 3 pacientes da tarde, que por sorte foi relativamente curta porque o 4o paciente não foi! E mesmo assim cheguei em casa um caco de tanto correr pra lá e pra cá!

É quase um cansaço gostoso, aquela sensação de ter trabalhado, de merecer o descanso, mas ao mesmo tempo estou surpresa porque ando tendo uns sintomas de velhice tipo dor nas pernas no fim do dia, coisa que nunca tinha tido antes, nem nos dias mais corridos da residência 😳 Eu hein!

Mas não to entregando os pontos ainda, acho que é só um período de readaptação mesmo ao velho ritmo de trabalho. Senão daqui a pouco vou ter que começar a usar meias Kendall, e todo mundo sabe que a partir daí é só ladeira abaixo né?! Hahahaha

Emprego novo

Como tem muita novidade pra contar, vou escrevendo aleatoriamente mesmo, ao invés de tentar relatar cronologicamente os fatos.

Acabei de voltar de um jantar com uma amiga alemã que fiz no meu primeiro emprego aqui em Londres, e isso me fez pensar bastante nas mudanças profissionais pelas quais passei desde então.

Quando resolvi ir ficando e planejar uma carreira sustentável por aqui, isso incluiu um passo crucial que foi fazer a primeira parte das provas do Royal College. Acontece que, com o ritmo de trabalho que eu tinha, somado ao fato de as provas serem muito diferentes (e muito mais difíceis) do que eu estava acostumada, fui aconselhada pelos meus mentores a mudar para um emprego com horários mais compatíveis, que me permitisse focar a minha atenção e energia nos estudos – e assim foi, e sou muito grata por esse conselho porque realmente foi instrumental. E ainda assim a prova foi a coisa mais difícil que já fiz, do ponto de vista técnico inclusive, mas principalmente do ponto de vista emocional.

Só que esse emprego era em UTI, que ainda é uma especialidade irmã da Anestesia aqui, e pela qual sou muito grata porque me faz uma médica melhor mas que, com todo o respeito, não foi o que eu escolhi. E enquanto eu estava envolvida com outras coisas foi ótimo, mas quando varias outras burocracias começaram a dar errado, que outra hora eu conto melhor, comecei a sentir o peso de trabalhar com algo que não é o que escolhi, que não me desperta tanto prazer e curiosidade, e só nos últimos dois meses é que fui me dar conta do quanto aquilo estava me chateando.

E olha, quando eu falo isso, nem sequer quero dizer que estava fazendo um trabalho que eu desgosto! Simplesmente não me trazia tanta satisfação e significado quanto a Anestesia, que sempre foi minha paixão. Então ao mesmo tempo em que andava super chateada com varias coisas, confesso que até curtindo uma auto-piedade pelas coisas que estavam dando errado, no fundo da minha mente eu tinha consciência que tenho mesmo é que ser grata porque mesmo meu emprego sub-ótimo ainda me trazia momentos muito bons e cheios de significado. E também suspeito que o caso específico de um paciente acabou me marcando e contribuindo pro meu desanimo nesse período.

Enfim, tudo isso pra contar que finalmente estou de volta à minha grande paixão, anestesiando muito e matando muitas, muitas saudades!!!

😷

Ressurreição

Oláaaaaa,

Nessa Páscoa resolvi fazer uma coisa nova: uma tentativa comprometida de ressuscitar este modesto diário (HAHAHA tá mais pra anuário né?!).

Falei uns posts atrás que acabo não escrevendo quando as coisas vão melhor do que o normal, e também já deixei de escrever quando as coisas iam pior do que o normal, donde se conclui que -conforme essa lógica- eu precisaria que as estrelas todas se alinhassem de uma maneira específica, que não houvesse nem demais nem de menos acontecendo na minha vida, para que eu pudesse sentar aqui pra registrar o que estivesse acontecendo (ou deixando de acontecer na minha vida). Sem sentido, certo?

Então vou tentar a estratégia inversa – vou escrever algo, mesmo que um só parágrafo, todos os dias desse mês. Praticamente um stream of consciousness, quer haja assunto, quer não. Quem sabe assim volto a cumprir o propósito desse espaço?!

 

(In)tolerância religiosa

Muitos e muitos anos atrás, me encontrei numa roda de conversa com 4 adultos e sem meus pais por perto. Contei orgulhosa que estava fazendo trabalho voluntário em uma instituição de caridade. Só que a instituição era de uma religião diferente à desses adultos, e para minha surpresa e desgosto, ouvi como resposta um uníssono de intolerância religiosa e preconceito, críticas e perguntas sobre por que raios não tinha escolhido uma instituição da religião predominante para voluntariar, e tanta degradação da outra religião, que me lembro distintamente até hoje que fui às lágrimas – de decepção, de raiva, de inconformismo. Não preciso nem explicar que aquilo me marcou profundamente.

Alguns anos depois, enquanto estudava para o vestibular, as aulas de história eram praticamente um refúgio, o momento em que eu relaxava, não anotava nada e lembrava que o vestibular não significava nada no grande esquema do universo, e ouvia fascinada enquanto um dos professores mais marcantes da minha vida falava com o mesmo respeito sobre as religiões “pagãs” da antiguidade, a Bíblia, o Alcorão, o Torah, os ensinamentos de Buda, e qualquer outra religião que fosse mencionada. Esse professor, depois obviamente dos meus pais, foi instrumental para que crescesse em mim o desejo intenso de entender o mundo e de enxergar mais semelhanças do que diferenças entre as pessoas que cruzam o meu caminho.

Nas últimas semanas, visitei pela primeira vez um país de quase totalidade muçulmana (🇲🇦) e logo em seguida um país também de maioria muçulmana, que foi berço de tensões étnicas e religiosas que políticos imorais exploraram como pretexto para seus jogos de poder, e destruíram milhares de vidas no processo (🇽🇰). Naturalmente, venho pensando MUITO sobre (in)tolerância religiosa, então foi quase com um choque que descobri, à medida em que o devorava, que o livro que eu tinha pré-comprado meses atrás e cujo enredo era pra mim um completo mistério teria as guerras religiosas do século 16 como tema central.

Entendo religião como uma maneira que as pessoas encontram de fazer sentido da vida, que é difícil e as vezes muito injusta, e entendo também que muita gente dispense religiões e encontre esse mesmo sentido através de outros instrumentos e atividades. Particularmente, sinto o mesmo arrepio, paz interior e perspectiva sobre a vida quando sobrevôo os Alpes, quando vejo os raios de sol da manhã entrando numa catedral medieval, quando medito em um centro budista, quando escuto a chamada de oração muçulmana, e espero que continue descobrindo novos lugares e situações pelo mundo que me dêem essa mesma sensação.

Continuo tentando entender o porquê de as escolhas particulares alheias incomodarem tanto, e tentando com toda a minha força me livrar do ímpeto de denegrir a escolha alheia para validar a minha própria, seja no âmbito que for.

Vejo qualquer tentativa de manipulação, para um extremo ou outro do espectro, como insulto à minha inteligência e livre-arbítrio.

Eu acredito apaixonadamente no direito de cada pessoa de escolher a sua crença (ou ausência de), e é por isso que tô escrevendo textão pra registrar todo o meu amor por esse livro, numa época em que discursos intolerantes estão tragicamente ganhando espaço na forma falsa e deturpada de “liberdade de discurso”.

Acredito que todo mundo tem o poder de fazer repensar aqueles que o/a respeitam. Deixo aqui minha pequena reflexão para reiterar e prometer que eu, Gabriela, jamais tolerarei intolerância ❤️🌎

(Recomendo fortemente a trilogia de Kingsbridge do Ken Follett, mas em especial esse último, que foi o que mais me fez refletir)

Welcome to the Queen’s Gallery, miss

Semana passada eu tive um momento daqueles #vencendonavida.

Coloquei meu little black dress, entrei no metrô, atravessei o Green Park batendo cabelo, parei num cantinho pra trocar a sapatilha pelo salto, e entrei no Palácio de Buckingham, onde uma recepcionista cheia de pompa verificou meu nome e um moço servindo vinho branco geladinho me aguardava prontamente.

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Hahahaha excelente né?! Na verdade é muito menos glamour do que parece, mas ainda assim não poderia deixar de comemorar ver meu nome na lista de convidados de um evento privé na casa da realeza britânica, certo? Já falei que blasé e cool eu definitivamente não sou, e celebro até as coisas mais banais.

É aquela velha história do “conheço alguém que conhece alguém”, então quando a amiga da minha cunhada nos chamou pra esse evento de preview da nova exposição no palácio, eu respondi sem pestanejar que estaria lá, apesar de o evento ser em plena segunda feira, uma semana antes da tal prova importante que estava consumindo meu tempo.

O evento não era no prédio principal do palácio e sim na Queen’s Gallery, que tecnicamente fica dentro do palácio mas é uma galeria normalmente aberta ao público, com uma entrada separada, expondo a coleção de obras de arte da realeza britânica. Inclusive foi a primeira galeria de arte que visitei aqui, há quase 8 anos! A história é um sarro na verdade, e contando pra essa amiga, nos demos conta que ela estava estagiando lá exatamente nessa época e podemos até ter nos esbarrado! Que mundo louco, né?

Um evento turistão recomendado fortemente pela comunidade no orkut (hahahah) onde passei hoooras planejando a viagem antes de vir em 2008 era a troca da guarda no Palácio de Buckingham. Eu sei, kuen kuen kuen. Suffice to say que em pleno 27 de dezembro, não foi a melhor idéia do mundo e depois de “chegar cedo pra ver bem” e esperar uma eternidade esmagadas conta o portão do palácio, Joy e eu estávamos congeladas real oficial e não tinha chá que resolvesse. Como queríamos continuar na função, falei JA SEI, olha ali aquela plaquinha da Queen’s Gallery, vamos entrar e ver qual é, já aproveitamos e nos esquentamos antes de continuar batendo perna!

No fim das contas, foi um dos nossos lugares preferidos! A família real tem muitos, muitos Rubens e Van Dyck e nós, mesmo sendo turistas incultas e incautas, nos apaixonamos pela estética dos artistas flamengos. Era dia 27 de dezembro e eu lembro exatamente da nossa empolgação com a árvore de natal linda da galeria, decorada toda com mini coroas! Antes de sair, comprei uma latinha de chá do Palácio de Buckingham pra minha mãe e outra pra minha vó, que elas guardam até hoje porque é a côsa mash quirida e ainda mais linda do que essa do link, um vermelho escarlate decorado com o brasão da rainha Elizabeth II.

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Fast forward 8 anos, eis que eu entro de novo na mesma galeria. Dessa vez, sem frio, sem pés congelando, sem jeans amarrotado de estudante, sem cabelo esculhambado lavado no cubículo do banheiro compartilhado do hostel e, mesmo que não tenha sido mérito meu, cheia de gratidão pelos caminhos que a minha vida tomou. E o mesmo deslumbre com a árvore de natal.


Não sou entendedora de arte, mas sempre gostei muito de aprender sobre a vida dos artistas e as peculiaridades de cada época e estilo, como o contexto da vida deles influenciou as telas que vemos hoje – já falei antes sobre a minha predileção pelo Impressionismo e lembro nitidamente que lá pelo meio da faculdade, nos idos de 2007, quando estava frustrada com o quanto a medicina estava engolindo a minha identidade, procurei cursos tanto de História Clássica quanto História da Arte em Floripa. Não encontrei nenhum curso de história da arte, e nem pude ser aluna ouvinte de uma das cadeiras de história da UFSC. Hoje em dia, meu interesse em história geral é muito maior ainda e sigo querendo fazer um curso desses, mas continuo gostando muito de agradar meus olhos com imagens que saíram da cabeça e mãos de alguém, por vezes muitos séculos atrás.

Então o mais legal desse evento não foi nem sequer o fato de ser um evento privado, com um número limitado de pessoas circulando em paz sem aglomeração pela galeria com suas taças de vinho, e sim o fato de que essa amiga é PhD em história da arte – que significa que, além dos discursos de abertura da exposição e as mini talks sobre 3 quadros escolhidos, tivemos o privilégio de perambular pelas salas recebendo pequenas doses de conhecimento técnico à medida em que progredíamos.

Ela nos mostrou, em dois quadros que estavam lado a lado, a diferença entre as pinceladas dos holandeses e dos italianos do século XVII, que faz com que os conoisseurs batam o olho de longe e saibam de onde e de que época uma tela é. Nos contou alguns detalhes sobre as novas tecnologias que permitem datar com precisão algumas obras, como por exemplo a análise da madeira base, e que existe toda uma área de conhecimento especializada nas molduras.

A exposição se chama Portrait of the Artist e quando fiz meu primeiro comentário perguntando se a escolha tinha algum paralelo com o narcisismo e obsessão com selfies de hoje em dia, ela me contou que o Telegraph tinha levantado a mesma possibilidade depois do evento pra imprensa, mas que uma exposição dessas leva tempo, uns 4 anos pra planejar, desde a idéia inicial, passando pela pesquisa, levantamento de obras da Royal Collection e produção de legendas que criem uma narrativa em torno do tema da exposição.

Como sou super curiosa sobre a realeza e tudo que os diz respeito, fiz algumas perguntas sobre a Royal Collection. Ela contou que eles nunca emprestam obras de arte de outras coleções: absolutamente tudo que está ali exposto pertence à família real. Mas dentro do acervo real, eles podem fazer todas as combinações e arranjos possíveis: os quadros e gravuras que estavam ali tinham vindo de Windsor, Balmoral, quaisquer outros palácios e residências reais.

Perguntei se eles poderiam, por exemplo, expor um quadro que estivesse em um dos cômodos privados do palácio de Buckingham ou Kensington etc. E aí ela me contou também que existe a coleção real, a Royal Collection, que é pública e pertence à realeza como um todo, e as coleções privadas da Rainha, do Príncipe Phillip e do Príncipe de Gales. E que, no caso de existir algum quadro pessoal da Rainha que eles queiram expor, é necessária uma solicitação especial aos curadores da coleção pessoal dela, explicando a relevância da obra, por quanto tempo ficaria exposta, e organizar uma obra adequada para substituir o lugar daquela durante o tal período. Acho fascinante toda a função envolvida!

Inclusive tinha ali uma dupla super interessante que faz parte de uma coleção privada: um quadro pintado por [artista cujo nome não lembro] retratando o Duque de Edinburgo pintando um quadro no deck do barco real Britannia, e o quadro que ele pintava naquele momento, que por sua vez retratava o [artista cujo nome não lembro] pintando o seu quadro. Eu nem sabia que o Príncipe Phillip pintava, e ele não é nada mau!

Enfim, foi uma experiência sensacional, daquelas que você jamais imaginou que fosse viver, sabe? Fiquei pensando… ano passado passei por um momento desses de “MELDELS essa gente acha tudo muito normal e blasé, mas tô aqui no meu novo-mundismo totalmente deslumbrada” bebericando meu vinho branco num evento privado na Banqueting House de Whitehall, esse ano no Palácio de Buckingham. Desse jeito vou ficar muito mal acostumada! Ô sorte na vida!