Fim de semana à milanesa

Bom, tive um plantão do cão ontem e, nas últimas 36 horas, dormi menos de 3 horas no total. Então estou aqui, numa sexta-feira às 18:00, fazendo de tudo pra aguentar acordada pelo menos até as 20:00 porque senão acordo no meio da noite, totalmente desorientada, sem saber que ano é. E depois meu sono fica estragado por uns 3 dias. Uma delícia.

Então achei que uma maneira fácil de passar o tempo seria registrar o fim de semana passado.

Tudo começou em meados de novembro, quando estava à toa em casa e recebi uma notificação no celular: RYANAIR FLASH SALE! E assim, em condições normais de temperatura e pressão, hoje em dia penso bastante e coloco os custos no papel antes de encarar vôos low cost. Várias vezes quando você soma todos os traslados até o aeroporto, e depois na cidade de origem, já que as low cost tendem a viajar de/para os aeroportos menos nobres e mais afastados de cada cidade, o valor total acaba se aproximando bastante do que se pagaria pra voar com uma companhia aérea tradicional.

Mas dito isso, essas flash sales são aqueles poucos dias no ano em que as passagens são REALMENTE baratas. Estamos falando £7, £10, £15 por trecho! Aí, do alto dos meus 29 anos, resolvi na minha cabeça que não deixaria essa oportunidade passar nem que a vaca tussa e comecei a investigar destinos possíveis pra viajar sozinha – o Alex ainda não estaria aqui e a maioria das minhas amigas tinha compromisso já. Avaliei as opções que ainda estavam disponíveis (incrível como esgota rápido!!!) e achei que Milão seria ideal para um fim de semana indo no sábado de manhã e voltando domingo à noite.

Eu já conhecia a cidade, passei dois dias lá em 2013 e fiz o único lerê turístico do qual eu fazia absoluta questão: A Última Ceia de Leonardo da Vinci. Isso é assunto pra outro dia, mas eu AMEI a visita e ela ficou marcada a ferro e fogo na minha memória como uma das experiências mais tocantes que já tive com arte. Talvez em parte por ter visitado sozinha, ter tido a sorte de uma visita silenciosa (os outros visitantes eram a maioria de meia idade), enfim, outro dia conto mais.

Então eu sabia que iria pra lá sem uma agenda a cumprir, numa viagem sem pressa pra conciliar duas paixões: curtir o lado cosmopolita de Milão e matar minha saudade eterna de uma italianice vera! Aí umas semanas depois eu tava conversando com a Cris, amiga que mora na Alemanha e viajou conosco pra Eslovênia ano passado, ela estava livre e a fim de se juntar a mim, e ecco: tínhamos um plano.

Só que nesse meio tempo, veio janeiro e com ele a famigerada prova, que por bem ou por mal ocupou 100% da minha memória RAM. Simplesmente ignorei a viagem, porque já tinha reservado o hotel meses antes, e não tinha nenhum pré-requisito essencial para fazer na cidade, e pensei que na pior das hipóteses passaria o tempo da viagem em si, entre aeroporto, vôo e trem, matutando o que fazer.

Saí da prova e tinha um email da Cris na minha caixa de entrada: ela é super foodie, amante de gastronomia e de um bom vinho, e queria saber se podia se encarregar de investigar restaurantes pra gente, qual era a minha vibe, o que eu queria comer. Mas é claaaaro que sim! Amo planejar milimetricamente a parte macro das viagens, vôos, hotéis, traslados, mas coisas tipo restaurantes, horários e dias em que vou a uma atração específica, nem tanto. Só falei pra ela que fazia questão de comer os pratos milaneses clássicos, já que da outra vez estava de mochilão comendo panini de almoço e de janta. Aí no dia seguinte ela me mandou uma super seleção de lugares, já tinha reservado um pra garantir, e eu reservei outro que chamou a atenção – aliás, morri de orgulho de ligar pra Itália e fazer a reserva inteirinha em italiano sem titubear, porque achei que meu italiano rudimentar já tinha evaporado por completo. Aproveitei também pra investigar my thing que, como quem me conhece bem sabe, são lugares com vista. ♥️

Chegando lá, nos encontramos na estação central, já que o nosso hotel era pertinho. Já que a noite anterior tinha sido das boas comemorando o aniver da Sophie e da Dri até quase 2 da manhã, e eu tinha dormido míseras 2h antes de acordar pra ir pro aeroporto, precisei primeiro virar gente no hotel.

Seguimos pra Piazza del Duomo pra primeira parada: botar o papo em dia e curtir o por do sol com vista da catedral e do movimento na praça.

O Terrazza Duomo 21 não é exatamente um rooftop propriamente dito, mas sim uma sacada com vista maravilhosa do Duomo, que faz parte de um hotel de luxo anexo à Galleria Vittorio Emanuelle. Chegando lá, ficamos impressionadas com a simpatia dos funcionários, os preços super razoáveis pro bar que provavelmente tem a melhor vista de Milão, e principalmente porque, em plena golden hour, tinha mais de uma mesa de cara pro gol!

Mais uma das vantagens de viajar no inverno né – aposto que em julho deve ser impossível conseguir essa mesma mesa! O bar serve váaarios drinks com Martini, que é o clássico destilado milanês, e que é patrocinador ali. Eu que não sou nada fã de Martini, fui semi-preparada psicologicamente pra só encontrar drinks com ele, mas como estamos falando de Itália, é claro que teria um vinho de casa pra gente escolher também. E com ele, aquela boa e velha lembrança de que você está, de fato, na Itália: umas porções generosas de azeitonas sicilianas e umas batatinhas como aperitivi. Pedimos mais uns petiscos e foi esse nosso almoço, já que tínhamos que guardar fome pro jantar que já tínhamos reservado.

Depois de uma voltinha na própria galeria e a surpresa de achar um Picasso e um Miró originais por preços surpreendentemente aceitáveis, resolvemos dar uma passadinha marota no Cioccolati Italiani que dizem ser A MELHOR sorveteria de Milão. Olha, é uma coisa Dantesca. Eles não só servem aquele gelato italiano que a gente conhece, como o servem quase que à la brasileira (leia-se doçura exagerada): dentro de um cone de biscoito com calda de chocolate dentro, com vários extras disponíveis, 3 bolas empilhadas com uma colherada de merengue italiano por cima. Como era mesmo aquela história de guardar a fome? A gula falou mais alto, esquecemos que podíamos voltar no dia seguinte e calculamos que, com 2h faltando pro jantar, ainda podíamos mandar ver um sorvetão.

 

 

Seguimos caminhando pelo bairro boêmio de Brera, resistindo bravamente às mil ofertas de aperitivi dos barzinhos com mesas ao ar livre. Mas como estávamos adiantadas, paramos pra mais uma tacinha de vinho. Eu ADORO sentar ao ar livre assim no invernão, ficamos comentando como quando a gente chega na Europa a gente acha todo mundo louco de escolher ficar pra fora no frio de 5 graus, mas a grande verdade é que eu me acostumei super rápido e hoje em dia fico até meio agoniada com aquele ar saturado de lugares fechados muito quentes no inverno.

Logo chegamos à grande estrela do fim de semana: o Alice Ristorante, um estrelado Michelin que fica no último andar do Eataly, com vista panorâmica da Piazza 25 Aprile. A Cris me contou que ele é uma iniciativa conjunta de uma chef com uma sommelière, então rola uma vibe bem feminista num mundo tão dominado por homens quanto a gastronomia. Restaurante estrelado Michelin, com vista panorâmica e filosofia feminista? Yes please!

Esse foi só o segundo estrelado Michelin onde já comi na vida, mas de novo a mesma surpresa boa: clima super agradável, nada de empertigações e pretensões, e a mesma conclusão de que as porções pequenas são na verdade a coisa mais genial que existe. É uma quantidade pequena de comida por prato, mas apesar de termos pedido apenas entradas e principais cada uma, e depois uma sobremesa pra dividir, recebemos milhares de amuses-bouches pra começar e depois a coleção mais fofa de micro-sobremesas de que já tive notícia.

Não sou crítica culinária e nem conheço de gastronomia, mas não posso deixar de registrar aqui a SURREALIDADE do ossobuco que eu pedi!!! Sabe como tem gente que diz “ah, eu até como carne vermelha mas não sinto falta não, nem faço questão, não sou fã do gosto em si”?! Pois bem. Eu não faço parte desse time. Adoro carne vermelha, cresci no sul comendo churrasco toda semana, e apesar de hoje em dia comer muito menos carne vermelha e ter me acostumado com isso sem sofrências saudosistas, não deixo passar a oportunidade de comer uma carne de respeito.

O prato era descrito no menu como “ossobuco preparado como churrasco, com diafragma grelhado, tartar piemontês, cebolinha, maionese de mostarda e glaze de vinagre”. Confirmei com a atendente se o diafragma era de fato o diafragma que eu conheço, o bom e velho músculo da respiração, superei rapidinho minha reticência habitual com tartar de carne (nunca consegui comer carne vermelha crua sem fazer careta) e mandei ver.

Gente – GENTE – que negócio maravilhoso. Pra começar que ele vem servido no próprio osso, que ao invés de ser cortado na transversal como de costume, era cortado no sentido longitudinal e a cavidade medular usada como “recipiente” pra arranjar os componentes do prato. Não tenho talento pra descrever comida, mas vou dizer que delirei a cada colherada que carreguei com o cuidado de pegar tudo junto – cubinhos de diafragma grelhado, cubinhos de filé cru bem temperadinho, a maionese de mostarda e a gordura característica da medula. Acho que no fundo eu estava esperando não gostar do tartar, então o prato superou todas as minhas expectativas mais delirantes do quanto eu ia curtir! Sabe aquele prato que você come devagarinho, porque não quer que termine nunca?!

A sobremesa foi meio decepcionante pra falar a verdade, mas a essa altura do campeonato eu já estava vendida e muito mais que satisfeita, e só pedimos a sobremesa naquela vibe meio YOLO (you only live once) de gente gulosa e sem vergonha.

Seguimos a pé para a próxima parada, que era minha escolha: em 2013, fui ao Nottingham Forest, o cocktail bar mais famoso de Milão, super renomado na cena mixologista mundial e que foi uma dica da minha BFF Ju, que tinha ido pra lá umas semanas antes de mim. Bom, sem mais delongas:

Você começa a sentir o tamanho da fama e do hype do lugar pela fila: como ele é super pequenininho, só cabem 40 pessoas por vez. Umas brasileiras que estavam por ali nos ouviram conversando e já adiantaram que o parça que estava na porta gerenciando a fila não era dos mais gentis. Cheguei já falando italiano com todo o charme possível, e quando ele disse que tinha acabado de encerrar a fila de espera, ainda ousei dizer que eu tinha vindo de Londres e minha amiga de Berlim, e porfavormoçopõeagentenalista! E funcionou! Mesmo assim ficamos mais de uma hora esperando ali fora, e entre causos de viagem e people watching (um casal de asiáticos que passou o tempo TODO da espera jogando no celular, com direito a musiquinha e tudo), logo chegou a nossa vez. Infelizmente, o bar fecha relativamente cedo, então só tivemos tempo de beber o drink mais clássico e famoso do menu, que eu quis repetir e era ainda melhor do que eu me lembrava, e pegamos um táxi pro hotel.

No domingo, fizemos o check-out, deixamos nossas malas na recepção e seguimos a pé para o Corso Como pra matar uma horinha na “galeria de arte meets loja de moda e design meets livraria meets restaurante” que é o complexo 10 Corso Como antes de seguir pro nosso almoço que era ali perto.

E se o restaurante do sábado a noite era todo inovador e criativo, o do almoço de domingo era tradicionalíssimo já começando pelo nome: Osteria Brunello. Osteria é o nome dos restaurantes de comida italiana simples e tradicional, geralmente com um menu curtinho. O diferencial da Osteria Brunello é que ela é a casa da cotoletta alla Milanese mais famosa e premiada de Milão! Incapaz de decidir por um só clássico, deixei a entrada de lado e fui de um primo – risotto alla Milanese – e como secondo fui com a costeleta de vitela.

Mais uma vez, uma experiência surreal. Já tô com água na boca só de lembrar. O risoto era uma coisa de outro mundo, o mais cremoso e saboroso que já comi na vida e surpreendentemente leve. E a costeleta era sequinha e crocante, como toda fritura que vale as calorias que carrega nessa vida, hehehehe e a carne de vitela era uma maciez só, como é de se esperar. E como se não bastasse esse fim de semana tão cheio de superlativos gastronômicos, até o purê de batata foi o melhor que já comi na vida! Diz a Cris que o segredo é a quantidade PECAMINOSA de manteiga de 50:50!

Pra encerrar, ainda tive a cara de pau de mandar ver um tiramisu, porque né. A vida é curta. Na dúvida, peça o tiramisu.

Depois de tanta energia, seguimos a pé até o Castelo Sforzesco, que estava desagradavelmente cheio de ambulantes enfiando rosas na nossa cara agressivamente a ponto de precisarmos praticamente sermos mal-educadas no NO, GRAZIE! e pegamos o metrô para Navigli, o bairro boêmio que fica às margens do canal grande de Milão, que foi construído como parte de um sistema de canais para permitir o acesso à cidade pela navegação – trazendo todo tipo de mercadoria, inclusive o mármore usado pra construir o Duomo.

Todos os domingos rola um mercado de pulgas por lá, então estava cheio de famílias, e a maioria dos frequentadores eram claramente locais. Paramos pra um último vinhozinho ao por do sol, e seguimos pra estação central pra começar a peregrinação de retorno.

Ainda na estação, já começamos a planejar a próxima viagem, nos perguntando se os planos da Amanda de vir morar na Áustria estavam encaminhados – e uns dias depois, ela mandou mensagem no grupo confirmando que tinha acabado de chegar lá de mala e cuia, então certamente teremos mais aventuras pela frente!

No caminho pro aeroporto, fiquei pensando no que a Tati me falou outro dia: “mas Gabi tu tem sorte hein? Cheia de amigas espalhadas pela Europa!”. Tenho mesmo. Nunca, jamais vou take for granted a sorte de poder dar uma escapulida de 36 horas pra Milão. Sim, estamos dando passos atrás na carreira. Sim, estamos passando perrengues e tendo que provar nosso valor em ambientes profissionais diferentes de onde aprendemos. Sim, estou tão longe de onde quero chegar que frequentemente esqueço tudo que já conquistei nesses quase 2 anos, de quanto já cresci. Sim, abrimos mão dos pequenos luxos e mordomias da classe média brasileira. Sim, passamos saudade da família e aquela culpa intrínseca do expatriado por estar escolhendo construir uma vida longe de quem se ama. Mas quando a gente vê o mundo… my God it feels good!

11 respostas em “Fim de semana à milanesa

  1. Adorei o post e principalmente o final dele, moro em Madrid e vc conseguiu resumir exatamente o que eu sinto, principalmente a parte da culpa por construir uma vida longe… e quando a culpa bate forte, sempre tem uma viagem de fds pra lembrar que vale a pena! Rs

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  2. Olá Gabi,
    eu te sigo no Insta e pela primeira vez entrei no seu blog! Super legal saber como você foi se adaptando e se virando e construindo a sua vida em Londres! No final de setembro desse ano também saio do Brasil com uma passagem só de ida para ser residente permanente no Canadá. Histórias como a sua me fazem acreditar ainda mais forte que estamos prontos (meu marido e eu) e fazendo a escolha certa, mesmo com todos os desafios de ser um imigrante! Espero que você continue tendo sucesso e crescendo como pessoa e como profissional por aí!
    Obrigada por compartilhar episódios da sua história! Tudo de bom pra você!
    Um beijo,
    Fernanda

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    • Oi Fernanda! Obrigada!!
      Eu também sempre adorei acompanhar outros expatriados e as suas alegrias e dificuldades, acho que ajuda a gente a ajustar as expectativas 🙂
      Boa sorte na mudança!!! Eu sempre digo que não tem como errar, porque mesmo se vcs não se adaptarem e quiserem voltar, terão crescido horrores individualmente e como casal! Tudo de bom pra vc também!
      Beijos

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    • Oi Alessandra!
      Eu tenho os aplicativos das cias aéreas que eu mais vôo (infelizmente isso inclui a Ryanair 😂) porque só faço check in pelo aplicativo hoje em dia. Então habilitei as notificações e essa dai eu recebi pelo app da própria Ryanair.
      Outra coisa que faço é assinar as newsletters de várias companhias, pra receber avisos de promoção!

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  3. Ei Gabriela, tudo bem? Estou encantada com sua história. Sou estudante de medicina (6º P) , tenho sonhos muito parecidos com os seus, mas não sei se consigo chegar tão longe… Queria muito conversar com vc!!! Beijos

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